Quando se anula um julgamento que não chegou ao fim, presidente interfere no Poder Judiciário e comete crime de responsabilidade. Essa é a afirmação da jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles. Ela diz que o indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira na tarde de quinta-feira (21) também é ilegal e tecnicamente nulo.
Segundo ela, o artigo 84 da Constituição Federal de fato dá ao presidente a prerrogativa de conceder perdão a condenados. Contudo, a advogada, que é especialista em Processo Penal, afirma que o benefício só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que ainda não ocorreu no caso de Silveira.
O deputado federal sofreu condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques verbais e ameaças aos ministros da corte, além da cassação de mandato, suspensão de direitos políticos e pagamento de multa no valor de R$ 192 mil. Silveira pode recorrer ao próprio STF, por isso, juridicamente, ainda não há trânsito em julgado.
Ao anistiar alguém que não teve seu julgamento concluído, o presidente perdoa uma pessoa que ainda não é formalmente culpada. “O julgamento de Silveira ainda não foi terminou, cabe recurso. Ao anular as penas dele, Bolsonaro interfere diretamente no Poder Judiciário e essa interferência é crime de responsabilidade”, afirma Jacqueline.
Além disso, afirma Jacqueline, mesmo o perdão presidencial tem regras. “Todos os atos do presidente têm que ter motivos dentro dos critérios legais, dos princípios da administração, da impessoalidade, da moralidade. A discricionalidade não é a liberdade total, tem que obedecer aos princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal”.
STF pode revogar indulto
Dessa forma, diante do erro de forma, o STF pode revogar o decreto presidencial, caso haja provocação jurídica. Parlamentares da oposição já afirmaram que vão recorrer ao Supremo contra o perdão a Daniel Silveira, mas mesmo ocorra a anulação, o presidente pode refazê-lo. “Se isso acontecer, quando houver o trânsito julgado, o Bolsonaro pode conceder novamente o indulto, e dessa vez ele valeria”, afirma.