O jovem chef Gustavo Colombeck sabe que seu ingrediente favorito na cozinha – a maconha – pode causar estranhamento nas pessoas. Apresentando agora seu primeiro livro, o Manual da Culinária Cannabica, com 40 receitas que descobriu e desenvolveu em viagens a países onde o uso e o cultivo da planta são legalizados, como Holanda, Portugal e Espanha, o gastrônomo vê seu trabalho com naturalidade. O guia de cozinha está disponível para pré-venda desde 6 de agosto e busca ser uma forma de desmitificar o tema.
Filho de uma cozinheira, Gustavo cresceu nesse meio. “Minha mãe sempre cozinhava em casa, sempre criava pratos. Ela queria agradar a gente no final de semana e preparava alguma coisa especial. Eu já estava próximo do fogão, aos 11 anos, com a responsabilidade de ir cozinhando sozinho”, conta.
Simultaneamente à sua passagem pela faculdade de gastronomia, quando ainda morava em seu estado natal – Espírito Santo –, Gustavo teve uma experiência pessoal que deu uma guinada no que ele imaginava para sua carreira. “Aos 25 anos, fumei pela primeira vez a flor (da cannabis) e senti gosto e sabor. Achei que dava para colocar na comida, independentemente de ser psicotrópico ou medicinal”, relata o chef.
Mochila nas costas
A ideia foi controversa e acabou não sendo bem recebida entre professores, mas, através de sua pesquisa, Gustavo descobriu sobre o Uruguai, onde mora desde 2016, e sua regulamentação liberal da maconha. “Fui com uma mochila nas costas”, relembra sobre o início da jornada, “fiquei num hostel como voluntário. Lá tinha seis plantas e recebi autorização para cuidar delas e estudar”.
Conforme observava os uruguaios trabalhando com brownie e biscoitos à base de maconha, o gastrônomo decidiu testar o ingrediente em uma remessa de alfajor. O resultado foi ótimo, todo o estoque foi vendido no primeiro dia, na rua. A partir daí, Gustavo começou a trabalhar como chef privado, preparando jantares canábicos nos lares de quem aceitasse fazer parte do experimento.
O plano para escrever o Manual da Culinária Cannabica nasceu de forma vaga, apenas como algo no final de cinco anos conhecendo mais sobre as possibilidades da planta no paladar – que Gustavo descreve como um leque infinito.
“Muitas plantas têm aromas e gostos muito parecidos a um limão, uma tangerina, um queijo, um chocolate. São espécies que a maioria dos bancos de semente oferecem e propõem esses temperos mais fortes. A gente pode harmonizar e deixar a comida mais saborosa. É como você usar um alecrim, um orégano”, explica.
Apenas uma planta
“A cannabis é um vegetal. Você pode aproveitar desde as folhas, a flor, a semente, a farinha da semente, extrair o olho da semente e preparar uma comida sem nenhum psicoativo. Essa versatilidade faz com que a culinária canábica esteja sempre evoluindo. Antes, a gente só falava sobre manteiga e azeite canábico, mas hoje não, tem extração com a própria flor crua. A gente trabalha o aroma, a potência, a temperatura da planta. É um trabalho químico para ter uma experiência mais agradável, mais segura”, elucida, e ainda cita algumas linhas da gastronomia canábica, como a mexicana, italiana, hindu e cozinha molecular.
Semeando sabores
“As pessoas dizem que você não pode viver o seu sonho, contudo eu vivo o meu. Trabalho com o que gosto, vivo do que gosto”, afirma Gustavo. No entanto, a estigmatização é algo que faz parte de sua jornada profissional.
“Hoje ainda existe esse preconceito. Quando as primeiras matérias saíram na minha cidade, vários amigos me mandaram mensagem. Era uma coisa ofensiva, as pessoas comentavam as notícias falando que eu tenho que ser preso. Todo preconceito que uma pessoa pode ter, eu vejo como uma falta de informação, ou até informação incorreta. Eu não vou partir a cabeça das pessoas que têm essas ideias e colocar o conhecimento dentro. Devo me preocupar? Não”, informa Colombeck.
Mundo afora
O chef relata sobre como a experiência de viver no Uruguai o ajudou a não levar as críticas para o lado pessoal. “A aqui, vi constantemente a liberdade que os uruguaios te dão de viver. Eles não te colocam limites nem te olham torto porque você faz o que faz. Sendo usuários ou não, eles se dão a oportunidade de conhecer o trabalho do próximo. Nesta realidade que eu vivo hoje, eu não me preocupo mais com esse preconceito”, manda o recado.
Além disso, Gustavo conta que, após as notícias dos últimos anos, tem percebido uma mudança de pensamentos entre os brasileiros. Atualmente, isso faz parte de sua motivação para o lançamento de seu livro que ensina às pessoas a vasta gama de possibilidades dessa cozinha.
“Eu queria passar para as pessoas o que eu realmente busquei nesses anos, as informações de como preparar, utilizar, aproveitar a planta completa, ao mesmo tempo com receitas como entrada, prato principal, molho, sobremesa, drinques, chá, café, suco. De tudo um pouco, para que as pessoas possam ter essa base igualmente”, conclui.
Do A Tarde