Pedro Duarte Guimarães, 51 anos, assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal logo após a posse de Jair Bolsonaro. Desde então, tornou-se um dos integrantes do governo mais próximos do presidente da República. Por meses a fio, especialmente no período da pandemia, quando o Palácio do Planalto precisava propagandear ao máximo o auxílio emergencial distribuído aos brasileiros mais carentes, foi figura frequente nas tradicionais transmissões on-line feitas por Bolsonaro nas noites de quinta-feira.
Até hoje, costuma ser convidado para solenidades presidenciais importantes, e se coloca sempre ao lado de Jair Bolsonaro. Há duas semanas, por exemplo, ocupou lugar de destaque na cerimônia realizada na Bolsa de Valores de São Paulo para que fosse batido o martelo da privatização da Eletrobrás. Um pouco antes, quando o presidente foi a Pernambuco para sobrevoar áreas atingidas por enchentes e anunciar o envio de recursos federais para o estado, lá estava ele. Na live da semana passada, era convidado de honra, paramentado com um colete estampado com a logomarca da Caixa. Nesta terça-feira (28/6), ele acompanhou Bolsonaro na entrega de moradias populares em Maceió.
Graças à visibilidade que ganhou a partir da entrada para o governo, Pedro Guimarães planejava até sair candidato a deputado ou a senador nas próximas eleições. Acabou desistindo depois de ser apresentado a pesquisas pouco animadoras sobre suas chances de vitória.
Carioca, antes de chegar a Brasília Guimarães já havia percorrido uma longa trajetória no mercado financeiro. Ocupou cargos elevados em bancos importantes e em fundos de investimentos. Ao assumir a Caixa, o economista fez questão de ecoar o discurso que elegeu Bolsonaro. Quando o governo ainda não tinha se aliado ao Centrão, dizia que era preciso agir contra a roubalheira dos indicados do grupo que haviam ocupado altos cargos no banco durante a era petista.
Motivação
Com um estilo um tanto exótico de administrar, causou polêmica tempos atrás ao aparecer em vídeos ordenando que empregados da instituição fizessem flexões durante uma cerimônia pública, a pretexto de motivá-los. Acabou processado por constranger os subordinados indevidamente. Técnicas semelhantes de “motivação” chegaram a ser usadas por ele no dia a dia no imenso edifício que abriga a sede nacional da Caixa, na região central de Brasília.
Por um período, quando decidia descer pelas escadas as duas dezenas de andares que separam o seu gabinete do térreo, saía colhendo os funcionários que encontrava pelo caminho à espera do elevador e os convocava para acompanhá-lo no “exercício”. Não restava alternativa para quem recebia o chamado: dizer não à convocação do presidente em seus expedientes quase militares poderia virar um problema.
Nos bastidores da Caixa, já há algum tempo correm relatos de que, para além dessas questionáveis sessões de coaching impostas aos empregados, Guimarães coleciona episódios de assédio sexual dentro do banco. Nada, porém, havia avançado para providências capazes de colocar em xeque sua permanência no cargo. Até agora.
No fim do ano passado, um grupo de funcionárias decidiu romper o silêncio e denunciar as situações pelas quais passaram. Há mais de um mês, a coluna vem colhendo os relatos de algumas dessas mulheres. Todas elas trabalham ou trabalharam em equipes que servem diretamente ao gabinete da presidência da Caixa. Cinco concordaram em dar entrevistas, desde que suas identidades fossem preservadas. Elas dizem que se sentiram abusadas por Pedro Guimarães em diferentes ocasiões, sempre durante compromissos de trabalho.
Inadequado
Os depoimentos são fortes. As mulheres relatam toques íntimos não autorizados, abordagens inadequadas e convites heterodoxos, incompatíveis com o que deveria ser o normal na relação entre o presidente do maior banco público brasileiro e funcionárias sob seu comando.
A iniciativa dessas mulheres levou à abertura de uma investigação que está em andamento, sob sigilo, no Ministério Público Federal. Algumas das funcionárias que concordaram em falar para esta reportagem já prestaram declarações oficialmente aos procuradores. Outras deverão ser convidadas a depor em breve. Este é o primeiro caso público de assédio sexual envolvendo um alto funcionário do governo Jair Bolsonaro.
Vários dos testemunhos estão relacionados a viagens realizadas por Pedro Guimarães como parte do programa Caixa Mais Brasil, criado por ele para descentralizar a gestão e dar mais visibilidade ao banco pelo país afora. Desde janeiro de 2019, foram realizadas mais de 140 visitas a cidades de todas as regiões.
Com outros executivos e um séquito de funcionários – e funcionárias – que o acompanham a partir de Brasília, Guimarães visita agências, se reúne com autoridades locais e conhece projetos sociais financiados pelo banco. As viagens ocorrem principalmente nos finais de semana.
O presidente, seus auxiliares mais próximos e os demais funcionários que integram a comitiva ficam hospedados em hotéis e participam de eventos e confraternizações durante os quais, de acordo com os depoimentos, ocorreram vários dos episódios.
A seguir, reproduzimos os principais relatos obtidos nas entrevistas realizadas com as funcionárias da Caixa que concordaram em falar – algumas, vale dizer, ocupam posições relevantes na estrutura do banco. Elas terão as identidades preservadas, como pediram, e serão identificadas ao longo do texto por nomes fictícios. Detalhes das situações que as mulheres narram foram subtraídos para evitar que, a partir dos relatos, elas possam ser reconhecidas. Pedro Guimarães foi procurado pela coluna, mas não aceitou falar até a publicação desta reportagem. A Caixa enviou uma nota na qual diz não ter conhecimento das denúncias (leia a íntegra ao final da reportagem).
“Dono das mulheres”
Ana afirma que, a depender da proximidade que tem com algumas das mulheres, Pedro Guimarães passa a se sentir “dono” delas. “É comum ele pegar na cintura, pegar no pescoço. Já aconteceu comigo e com várias colegas”, diz. “Ele trata as mulheres que estão perto como se fossem dele.” A reportagem teve acesso a registros que corroboram o relato, mas optou por não exibi-los para não expor a funcionária envolvida. Ana relata que, diante de negativas das subordinadas, ele insiste: “Ele já tentou várias vezes avançar o sinal comigo. É uma pessoa que não sabe escutar não”. “Quando escuta, vira a cara e passa a ignorar. Quando me encontrava, nem me cumprimentava mais”, completa.
“Discos voadores”
Dentro da Caixa, uma prática apontada como comum na atual gestão deu origem a um epíteto: “discos voadores”. Assim são chamadas as mulheres que, durante as viagens pelo país, despertam a atenção do presidente do banco a ponto de ele chamá-las para atuar em Brasília. Por vezes, diz uma das mulheres, funcionárias são promovidas hierarquicamente mesmo sem preencher os requisitos necessários e acabam transferidas para a sede, por conveniência de Guimarães.
“Mulher bonita é sempre escolhida para viajar”
A escolha das mulheres que integram a comitiva de Pedro Guimarães nas viagens do programa Caixa Mais Brasil é feita diretamente pelo gabinete dele, denunciam as funcionárias. As selecionadas são comunicadas, segundo Ana, como quem recebe a notícia de que acabou de ganhar um prêmio. E o critério da seleção, diz Valéria, outra funcionária, é definido de acordo com as preferências de Guimarães: “Tem um padrão. Mulher bonita é sempre escolhida para viajar”. “Ele convida para as viagens as mulheres que acha interessantes”, afirma.
“Você gosta de sauna?”
Entre os relatos há algo que aparece em mais de uma oportunidade: convites, durante as viagens, para as funcionárias irem à piscina ou à sauna na companhia do presidente do banco nos horários de folga na agenda. “Ele me chamou para ir para sauna com ele. Perguntou: ‘Você gosta de sauna?’. Eu disse: ‘Presidente, eu não gosto’. Se eu tivesse respondido que gosto, ele daria prosseguimento à conversa. De que forma eu falo não? Então, eu tenho que falar que não gosto. É humilhante. Ele constrange”, diz Thaís. Ela afirma que, na mesma viagem, Guimarães a beliscou. Thaís diz que aquela foi uma das primeiras vezes em que foi destacada para viajar com o presidente da Caixa. “Ele praticamente nunca tinha me visto antes.” Beatriz, mais uma das funcionárias que se sentiram assediadas, relata que, depois de Guimarães puxar conversa sobre suas habilidades de nadador (na juventude, ele chegou a participar de competições), também recebeu um convite que classifica como estranho para nadar. “Eu falei que não ia”, diz. Ela afirma que recusou por ter entendido que havia segundas intenções no chamado.
Do Metropoles