“Coloca gasolina no incêndio, porque a realidade brasileira é de guerra fundiária. Essa tese intensifica muito esses conflitos, na medida em que viram arma de contestação”. Essa é a afirmação da pesquisadora da Universidade de Brasília, a antropóloga Luísa Molina, sobre o marco temporal, que afeta diretamente os povos indígenas.
Primeiramente, a Constituição de 1988 resguarda e protege os índios. O artigo 231 não determina nenhuma data, apenas que reconhece “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Contudo, um conflito entre indígenas e agricultores em Roraima, quando chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal), em 2009, acabou desencadeando na tese do marco temporal. Isto porque, para resolver a questão sobre a quem pertenceria de direito a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, os ministros argumentaram em favor do povo indígena. A alegação, naquele momento, é que eles lá estavam quando foi promulgada a Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Precedente aberto
Se naquele caso a tese era favorável aos povos originários, o precedente ficou aberto para a argumentação em contrário. Ou seja, que indígenas não pudessem reivindicar como suas as terras que não estivessem ocupando em 1988. “É uma ironia dos juristas, um deboche muito grande, essa teoria do marco temporal. Alguns povos não estavam em suas terras em 1988 porque a forma histórica de colonização do Brasil deixou muitas marcas, com indígenas sendo expulsos de seus territórios”, argumenta o pedagogo Alberto Terena, coordenador da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
E no meio de todo esse turbilhão de argumentos de ambos os lados com o julgamento do STF para definir sobre a demarcação de terras, ainda existe a indisposição do atual presidente do país.
Lá em 1998, o então deputado federal Jair Bolsonaro reclamou que o Brasil vivia “o governo da entregação”. E alardeou: “Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país. Se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro. Recomendo apenas o que foi idealizado há alguns anos, que seja demarcar reservas indígenas em tamanho compatível com a população.”
O presidente tem seus problemas com as minorias e isso é notório. Contudo, é preciso analisar caso a caso, pois do mesmo jeito que grileiros se aproveitam para expulsar os índios de sua terro, há relatos de pessoas de passando por índios para aproveitar a proteção da lei. Enquanto isso, a guerra fundiária corre solta.
Com o Poder 360