Perdão da vítima não pode ser considerado para absolvição de agressor que cometeu violência doméstica. Com esse entendimento, o Ministério Público Federal (MPF) defende que o Estado tem o dever de intervir nas relações familiares quando há situação de desigualdade e de agressão dela decorrente. A manifestação, assinada pelo subprocurador-geral da República Oswaldo José Barbosa Silva, foi em um recurso do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado (TJMG) que, sob a alegação de reconciliação do casal, absolveu um homem que, dirigindo embriagado, agrediu a companheira, após discussão.
A decisão do TJMG foi em apelação (recurso) apresentada pela defesa contra a condenação de Thialis Bronco Rocha, por lesão corporal leve, em âmbito doméstico, e embriaguez ao volante. A sentença condenou o réu a 9 meses de detenção e 10 dias-multa, além da suspensão do direito a dirigir por dois meses. Após o recurso de apelação reformar a sentença absolvendo o réu com o entendimento de que “o perdão da vítima, a reconciliação do casal e a preservação dos valores familiares seriam causas de exclusão do delito, escusa absolutória ou condição objetiva para afastar a punibilidade”, o MPMG interpôs o presente recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No parecer enviado ao STJ, o representante do MPF destaca que o Código Penal é explícito ao dizer que a punibilidade é extinta pelo perdão, “tão somente nos casos previstos em lei”. O subprocurador-geral pontua, no entanto, que a legislação não prevê nenhuma hipótese de perdão judicial para os crimes envolvendo violência doméstica.
Segundo o parecer do MPF, ao reconhecer essa possibilidade, o TJMG negou a vigência de artigos do Código Penal e do Código de Processo Penal, além de violar dispositivo do Código de Processo Civil ao excluir a incidência do tipo penal em hipótese não prevista em lei. Segundo Oswaldo Barbosa, as alegações do STJ para absolver o réu “não são hipóteses legais de perdão judicial e, portanto não têm aptidão para afastar a punibilidade de fato típico, antijurídico e culpável de violência praticada pelo réu contra sua companheira”.
Proteção da mulher
Em outro trecho do parecer, o subprocurador-geral ressalta que a pretensão da legislação de proteção da mulher contra a violência doméstica é, justamente, evitar que, por medo, dependência financeira ou emocional da vítima, haja retratação ou perdão do agressor. De acordo com ele, não se pode desconsiderar, conforme já afirmado pela Suprema Corte, que na proteção estatal devida às mulheres, “as manifestações posteriores, como a retratação ou o perdão, podem estar eivadas de pressões psicológicas e econômicas, temor e medo de novas agressões e a relação de desigualdade de gênero decorrente de um longo processo histórico-cultural”.
No caso em análise, ao ser ouvida pela autoridade policial no momento da prisão em flagrante do agressor, a vítima narrou que vive em união estável com o réu por cerca de nove anos e que já havia sido agredida por cerca de cinco vezes antes do fato em apuração. Entretanto, durante a oitiva da vítima, em Juízo, ela informou que havia se reconciliado com o réu e negou os fatos. E acrescentou que a lesão em seu olho se deu em virtude de freada brusca, e que havia ingerido bebida alcoólica, por isso fez as afirmações perante a autoridade policial.
Para Oswaldo Barbosa, quando se admite a possibilidade de perdão como forma de excludente do crime, se está reduzindo a proteção devida a esta mulher, que, explicitamente narrou que foi agredida muitas vezes antes do fato em apuração nestes autos. Segundo o subprocurador-geral, o quadro de violência contra a mulher é grave e requer muita atenção do Estado. “A exclusão do delito de lesões corporais, no âmbito das relações domésticas, por situações não previstas em lei, pode levar a um agravamento deste quadro a medida em que agressões mais leves têm chance muito grande de se convolar em feminicídio”, alerta.
Íntegra do parecer no Recurso Especial nº 2.011.751/MG