O Banco Central, a autonomia desejada há 30 anos e o que isso quer tem a ver com a gente

Nesta quinta-feira (26), por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ação proposta pelo PT e pelo PSOL e declarou a constitucionalidade da lei de autonomia do Banco Central.

Mas o que faz um banco central e qual a importância dessa decisão do STF?

Em praticamente todos os países do mundo há uma instituição responsável por emitir a moeda local e zelar pela manutenção do poder de compra da população, isto é, pelo controle da inflação.

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Normalmente chamado de banco central (nos Estados Unidos é “reserva federal”), essa instituição pode assumir também outras funções, como a gestão das reservas internacionais, a execução da política cambial, a disciplina do mercado de crédito e das transações de pagamento, além da regulação e da supervisão dos bancos e de outras instituições financeiras.

O banco central não é um banco. É uma entidade que cuida da estabilidade da moeda e do sistema financeiro. Lida com temas como a circulação do dinheiro, o preço das coisas, a cotação do dólar no país, as regras para funcionamento dos bancos, as taxas de juros cobradas nos empréstimos, a realização de transferências bancárias e o acesso a produtos e serviços financeiros. Portanto, a atuação de um banco central tem impacto direto na vida das pessoas.

Ideia original

No Brasil, o Banco Central foi criado apenas em 1964, com todas essas funções e mais algumas. A ideia original era que o Banco Central fosse uma entidade autônoma, comandada por presidente e diretores com mandatos fixos, para garantir independência formal em relação ao governo. Contudo, essa ideia não prosperou, tendo o governo militar optado por manter amplo controle sobre a nomeação e a escolha dos dirigentes do Banco Central.

Com o passar dos anos, o Banco Central foi conquistando certa liberdade para fazer seu trabalho (“autonomia de fato”), mas continuou vinculado ao Ministério da Fazenda/Economia. Além do mais, o Presidente do Banco Central era Ministro de Estado, portanto, considerado um auxiliar direto do Presidente da República. Ficava na cara que o Banco Central era um órgão do governo. Esse padrão era bem diferente do que se via nos países desenvolvidos e mesmo em economias menos relevantes do que a brasileira.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, existe debate sobre qual o melhor modelo para o Banco Central brasileiro. Ainda em 1989, o então senador Itamar Franco apresentou projeto de lei para tratar do assunto. Mas, nas últimas três décadas, nenhuma proposta chegou a virar lei. Até que, em 24 fevereiro de 2021, foi sancionada a Lei Complementar nº 179, que reconhece a autonomia do Banco Central.

Mas o que essa lei traz de novo?

Primeiro, lista os objetivos que devem ser buscados pelo Banco Central. O principal é assegurar a estabilidade de preços, isto é, o controle da inflação. Além disso, tem que zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro e fomentar o pleno emprego.

De forma inédita, uma lei passa a dizer quais as metas para o Banco Central e coloca o estímulo ao emprego como um dos pilares de sua atuação. Resta saber se e como isso será feito, mas agora a instituição pode ser cobrada.

Segundo, a lei diz que cabe exclusivamente ao Banco Central “conduzir a política monetária”, ou seja, adotar as medidas para alcançar as metas de inflação fixadas, mesmo que o governo de momento queira uma taxa maior ou menor.

A terceira novidade é que o presidente e os oito diretores do Banco Central passam a ter mandatos fixos de quatro anos (prorrogáveis por igual prazo), mas de forma escalonada, de modo que um Presidente da República não possa trocar os nove de uma vez para atender interesses políticos. Com essa lei, cada presidente da República terá que conviver por alguns anos com dirigentes escolhidos pelo presidente anterior e não poderá demiti-los por motivos de conveniência eleitoral.

Sem demissão

Outra grande mudança é que o presidente do Banco Central deixou de ser ministro de Estado, portanto, não pode ser nomeado e demitido pelo Presidente da República a qualquer tempo, valendo para ele também a regra do mandato.

O Senado passou a ter maior relevância na governança do Banco Central, pois, além de ter o poder de aprovar ou não os candidatos a assumir cargo na instituição, o que sempre foi previsto na Constituição, agora também vai julgar os pedidos do Presidente da República para demitir o Presidente ou algum Diretor do Banco Central por suposta ineficiência. É um novo mecanismo de freio e contrapeso na relação entre os Poderes.

A lei esclareceu ainda como funcionará o Banco Central dentro do Poder Executivo Federal, agora não mais vinculado a nenhum Ministério, nem subordinado ao Presidente da República. E reforçou regras de controle e transparência das atividades da instituição.

A edição dessa lei rendeu polêmica por dois motivos, um jurídico e outro político.

O primeiro diz respeito ao fato de a lei ter tomado como base um projeto do Senador Plínio Valério apresentado em 2019, quando supostamente deveria ter sido de iniciativa do Presidente da República, por tratar de organização da Administração Pública.

O segundo ponto desperta mais paixões. Para muitos, ao se distanciar do governo, o Banco Central perderia a legitimidade que as urnas deram ao Presidente da República e acabaria virando uma extensão do mercado financeiro, privilegiando os interesses dos grandes bancos e do capital especulativo.

Com base nessas convicções, o PT e o PSOL entraram com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, pedindo a nulidade da lei de autonomia do Banco Central.

O STF entendeu, porém, que não houve vício de iniciativa, seja porque a lei poderia ser iniciada no Congresso Nacional (competência concorrente), seja porque a lei aprovada incorporou texto de projeto de lei semelhante enviado ao Parlamento pelo Presidente, que também sancionou a nova legislação, quando poderia ter vetado a proposta. No mérito, o STF que a nova lei não ofende a Constituição, reconhecendo a liberdade do Poder Legislativo para definir a melhor política para o Banco Central e para o sistema financeiro nacional.

Decisão divide opiniões

O julgamento foi comemorado pela equipe econômica do governo, pelo Banco Central e pelo mercado financeiro e alvo de muitas críticas por partidos de esquerda e economistas mais progressistas.

O fato de a lei ser constitucional não eliminará as polêmicas e continuará atraindo atenção de todos os lados.

É inegável que o governo perderá influência sobre as decisões do Banco Central, pois não poderá trocar o Presidente ou os Diretores a seu bel prazer. Vários veículos de imprensa divulgaram nos últimos dias que o próprio Bolsonaro estaria arrependido por ter sancionado a lei, pois não vai mais controlar a política monetária, o que seria útil em período eleitoral.

Em compensação, caso Bolsonaro não se reeleja, deixará no Banco Central por alguns anos dirigentes que foram nomeados por ele, que só poderão ser trocados pelo novo Presidente da República quando acabarem os respectivos mandatos.

Mas veja que o próprio Bolsonaro deu mandato a Diretores que já estavam no Banco Central antes de ele assumir a Presidência. Da atual Diretoria Colegiada do Banco Central, há 1 membro remanescente do governo Dilma e 3 membros nomeados por Michel Temer, sendo apenas 5 membros oriundos do atual governo.

Talvez isso mostre que há uma certa prevalência de quadros técnicos na direção do Banco Central. Aliás, esses são os únicos 9 cargos do Banco Central que podem ser ocupados por gente de fora. Todos os demais cargos, mesmo os de chefia, são ocupados por servidores públicos concursados, o que tende a garantir políticas públicas mais estáveis, sem tanta conotação política.

E o que você acha de tudo isso?

Conseguirá o Banco Central manter-se neutro e equilibrado no jogo político e ter um olho no mercado e outro no cidadão? Conseguirá trabalhar em prol do pleno emprego ou apenas cuidará da política monetária?

Nos resta torcer e esperar que o Banco Central mantenha o padrão técnico, mas sem perder a sensibilidade para as necessidades da população, garantindo controle da inflação (que está bastante elevada no momento), sem prejuízo de medidas voltadas à sociedade, como o Pix, o Open Banking, a limitação da taxa de juros do cheque especial, a ampliação da concorrência do mercado e a circulação de cédulas e moedas.

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